De repente acordei num suspiro que tardia ofegante e, incomodado com o calor permaneci deitado em minha cama por algumas horas, escolhi instalar meu quarto no porão da casa que relativamente vive numa noite eterna. Infelizmente meu corpo tentava me vencer, impelindo-me a sair para beber uma boa dose de água, a cabeça latejava e o fígado não ajudava. Tentei imaginar a hora, mas a falta de luz atrapalhava minha imaginação. Deixei para lá, tentei me concentrar para voltar a dormir, não tinha coragem de levantar. Meu desejo era morrer dormindo, mas ainda não consegui tal façanha, o pior é que parece coisa de covarde, morrer dormindo, isso alguns anos atrás me deixaria com vergonha, mas estamos no século XXI na era da depressão. Fiquei mais um tempo olhando para onde acreditava estar à porta, pois não tinha certeza de que realmente ela estaria ali, se existiria alguma realidade naquele ambiente desprovido de visão, só havia escuridão, o que os olhos não vêm inexistem. Consegui me estabelecer em um ponto do quarto, quando reparei as luzes do modem acesas sinalizando os uploads e os dowloads. Acabei ponderando num breve momento, concluindo que não seria natural um vivente deixar de ser móvel. Reagi num pulo, saltando da cama com a mesma destreza de um atleta voando por cima de um cavalo, pousando no solo com o mesmo peso de uma pluma. Dei longos suspiros depois do tal feito, consumia mais oxigênio que uma queimada na Amazônia. O ambiente ficou mais quente, comecei a sentir os efeitos do enfado incitado pelo melhor wisk irlandês. Senti o revertério de coisas vindo tudo de uma só vez, sem controle, era uma verdadeira enxurrada, igual àquela provocada pelos Tsunamis. Só deu tempo de sair do quarto vomitando no corredor, correndo nu em disparada ao banheiro. Minha família toda testemunhou a façanha do filho pirado de uma classe média bem mediazinha. O pior é que eu tinha me esquecido que morava com meus pais e minha irmã num casarão no centro histórico de Manaus, de pé direito bem alto e de porão baixo, a casa parecia mais um navio, quase uma obra do Gaudí, com suas paredes sem nivelamento tentando parecer uma caverna, as cortinas na janela pareciam imensas velas. Saí do banheiro minutos depois de banho tomado, barba feita, com os dentes escovados, perfumado, nu, com o cabelo todo molhado, cruzei a área de leitura da casa, subi as escadas e me deparei com a porta de acesso a casa toda escancarada propiciando uma bela vista da rua, fiquei alguns segundos admirando aquela paisagem, quando percebi que, a rua também tinha uma bela vista em minha direção. Atrás de mim, repousava um maravilhoso e fascinante quadro pintado por minha tia falecida, o tal havia permanecido muitos anos desaparecido, foi encontrado recentemente de maneira inusitada em um restaurante na cidade de Assis Chateaubriand. Voltei ao meu ritmo normal e continuei o caminho passando pela sala, chegando ao corredor pequeno com a altura do teto maior que a distancia a ser percorrida até chegar à copa. Entrando na cozinha, já sabia o rumo até chegar à geladeira, poderia fazer o percurso todo de olhos fechados, mas naquela manhã existia varias redes espalhadas para todos os lados, família em peso dormindo pela casa. Abro a bendita caixa de conservação de estoque alimentar, escolho, pego o que tem de melhor para ser degustado. Vou até a mesa mais próxima para iniciar o processo de nutrição, levando comigo o bom suco de graviola que estava lá me esperando pronto e gelado na sua jarra de cristal. Dou uma boa golada no sumo diluído, o efeito era o mesmo de jogar água no mármore quente do inferno, minha temperatura se estabiliza em poucos instantes e começo a recobrar a consciência. Lembrei que comecei a beber na comemoração de que apesar da crise continuamos felizes, depois fui para a biblioteca. Lá continuei bebendo o melhor dos blends irlandeses, fumei um bom cigarro e percebi que depois disso, mal conseguia lembrar das coisas. Parte daquela noite aparentemente não existia mais para mim, foi um filme apagado pela metade, via pequenos fragmentos em meio aos cortes de memória.

Só consegui me lembrar de pouca coisa, a primeira uma cortina verde de veludo, a segunda uma garota apaixonante na sacada de um lugar que eu não saberia dizer onde fica.

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