O executivo voador.



Aquela manhã foi atípica no planeta terra, os registros meteorológicos registraram as mais altas temperaturas. Ele, o alto executivo de uma mega corporação financeira, está alheio às intempéries do tempo, fechado em seu apartamento em um flat da moda, com seu ar-condicionado importado de um país em que crianças têm como escola da vida, uma jornada diária de trabalhos forçados com direito há dormirem seis horas diárias. Lá em seu casulo bem pago com seu hiper-salário, tem a possibilidade de acordar a hora que bem quiser. Quando desperta, abre o laptop e seleciona o cardápio do café da manhã, em seu palm lê todas as noticias relevantes ao seu dia, não perde tempo com pequenas notas, para ele tudo tem que ser grande para merecer um pouco de sua atenção. 
Cresceu com o seu pai repetindo em suas orelhas o dito popular de que “tempo é dinheiro”. “Menino... não perca tempo com bobagens!!!” Seu pai sempre foi muito áspero e enérgico. Cresceu com certo medo do poder que ele detinha. Pois quando o velho falava alto, estremecia o Junior com o frio dos ossos. Acreditava que seu pai o amava, mas para seu pai, o filho nada mais era que um cachorrinho que a madame sua mulher quis ter. O pai por um certo período teve desconfiança na paternidade de seu filho. Pois o pai sabia que não era um bom marido à sua senhora e muito menos um bom amante. Então para ele foi conveniente quando sua esposa encontrou um rapaz para satisfazê-la, ele até fez questão de contratá-lo para trabalhar em uma de suas empresas, mantendo-o assim a vista e abaixo de sua posição hierárquica. Sempre se cercou de pessoas que pudesse controlar. 
A lembrança trouxe certa inquietude ao executivo, perdeu até a fome, cancelou o café, resolveu jejuar, banhou se em água quente até se fartar. Face ao espelho molhado com o vapor, e com uma das mãos escorreu a água do vidro. Raspou o rosto e como todos os dias sentiu a lamina cortar o lábio no mesmo lugar. Rubra cor da paixão tingiu a pia branca com poucas gostas. Admirava-se no espelho enquanto estancava o sangue. O clímax é o momento da loção de pinho vagabunda de uma grife bem cara, aquilo queimava-lhe o rosto, mas tinha um certo sadismo naquele modo de gozar. A dor do auto-flagelo alegrava-lhe a face. Sorridente, estava pronto para ir ao seu carro esportivo e chegar o mais rápido possível em seu posto de trabalho, mesmo morando a poucos quarteirões da localidade. Mas naquele dia resolveu ir a pé. De terno bem cortado ignorou o calor da rua e caminhou de baixo de um sol abrasador, os primeiros passos foram fáceis, mas a partir do momento em que começava a concentrar energia em seu corpo, sua pele suava, demonstrando o desconforto natural daquele dia historicamente quente. Olhou a rua que tanto via da janela de seu carro e não a viu tão bonita quanto antes. Sentiu o cheiro do esgoto que subia pelo bueiro da esquina. Logo no outro quarteirão foi abordado por um mendigo profissional que lhe pediu dinheiro, no momento não tinha como dar nenhum tostão, os andarilhos não aceitam dinheiro de plástico, mas praguejam muito bem. Andou com passos mais largos. Próximo ao seu destino atravessando a rua com certo cansaço provocado pelo verão implacável, não percebeu à proximidade do ônibus que por milagre conseguiu parar a poucos centímetros de si. Estático como uma frágil estatua de vidro, sentiu certa carga de estresse que nunca havia sentido antes. O motorista precisou buzinar para que nosso executivo recobrasse o sentido do momento. Respirou, piscou forte e andando de maneira reduzida, sentindo-se o mínimo de tudo. Continuou o percurso de cabeça baixa e lembrou novamente de seu pai que lhe falava aos ouvidos: “Menino... não perca tempo com bobagens!!!” Em sua adolescência queria ser DJ, mas seu pai insistiu que ele deixasse essa ideia maluca e que se dedicasse ao curso de administração, pois o filho teria que estar preparado para continuar o que ele iniciou. 
Chegando a torre de vidro, o jovem executivo escalou as escadas de acesso, passou pela portaria e acenou com o sorriso amarelo aos guardas entrando rapidamente no elevador. Subindo, preferiu ficar olhando o espelho, quando repentinamente percebeu o reflexo que via, estranhou-se. Não era bem o que queria ver. Chegando ao ultimo andar dirigiu-se a sua sala, no caminho escutou de todos o bom dia sorridente, ele desprezava aquela falsa cortesia, sabia que todos falavam mal em suas costas. Não era um bom chefe, era ríspido como seu pai.  Mas aquele dia ele não se sentia bem. Alguma coisa ocorreu com ele durante o percurso, não saberia bem explicar o que foi. Entrando em sua sala espaçosa com uma grande mesa no centro, jogou sua maleta num canto. Virou se em direção a porta e olhou ao seu redor, sentiu certo desprezo no diploma pendurado na parede, nos troféus adquiridos, e em todo o luxo de seu escritório, decorado com os mais finos mimos do designer italiano. Sentou em sua cadeira, girando que nem uma criança parou de frente à janela de imensos vidros. Fixou os olhos no céu azul. Levantou e caminhou para a vidraça, abriu e sentiu o vento que entrava rodopiando abrindo a pasta de documentos a serem despachados espalhando os no ar. O executivo não deu importância. Continuou a olhar o céu, subiu no parapeito e se jogou no ar. Na calçada só caiu os sapatos de pelica, pois naquele dia, o executivo voou. 

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